domingo, 12 de junho de 2011

Ponderações sobre a existência em "A insustentável leveza do ser" de Milan Kundera





A leitura de "A insustentável leveza do ser" é uma experiência fascinante para aqueles que estão aptos a mergulhar na profundidade de todas as questões existenciais trazidas pelo autor. O enredo possui uma característica fundamental de todo bom texto, nos faz pensar. Assim, o fascínio que provoca não deve ser confundido com o prazer simples que um livro qualquer possa nos trazer. Aliás, aludindo à dicotomia, leveza/peso, que é o eixo da narrativa, digo que não é uma sensação de leveza que toma conta do leitor ao fim da história. Kundera nos convida para uma reflexão sobre a vida da qual seria bom que ninguém saísse ileso. A narrativa tem como ponto de partida o autor evocando a idéia do eterno retorno de Nietzsche. Não sem razão, já que é a filosofia nietzscheana que melhor traduz o espírito da época que vemos manifesto nos personagens, especialmente, Tomas e Sabina. O eterno retorno não deve ser entendido como o processo cíclico da história. É um mito e, por negação, pretende mostrar que a vida é uma só, essa é a sentença que pesa sobre os homens: “uma vez não conta, uma vez é nunca. Não poder viver senão uma vida é como não viver nunca”. Vive-se sem saber se as decisões tomadas são realmente as melhores, não tivemos outras vidas para comparar. Não poderemos fazer certo da próxima vez, porque não haverá uma próxima vez. 

O romance tem como cenário a ocupação da Tchecoslováquia pela Rússia no ano de 1968, como contra-golpe à abertura democrática que fora proposta pelos intelectuais tchecos no movimento que ficou conhecido como a “ Primavera de Praga”. O sonho comunista tornou-se um pesadelo. É sob esse pano de fundo histórico que nos são apresentados Tomas, Tereza, Sabina, Franz e Simon. Tomas é um médico divorciado, cujo modo de vida consiste em não se apegar a nada. Seu objetivo é uma vida leve. Daí não sofrer com remorsos ao abrir mão da presença do filho, Simon, e de romper com seus pais que censuravam tal atitude. Entretanto, a leveza é ameaçada por Tereza, garçonete do interior, por quem, por uma série de casualidades sucessivas, acaba se apaixonando. Casa-se com Tereza, mas não abre mão de sua forma de viver, mantém casos extraconjugais, dentre os quais, destaca-se sua relação com Sabina, artista plástica que, assim como Tomas, não vê o mundo com o olhar dos crédulos. Na Suíça, lugar para o qual emigrou depois da ocupação russa, Sabina conhece Franz, mantém um caso com ele, mas não suporta o fato de que este possa, com seu amor, por abaixo a vida segura que construiu baseada numa visão cética da humanidade. Para Sabina, o que impera no mundo é o kitsch , a cegueira, a ilusão das ideologias que inculcam a possibilidade de um paraíso na terra; que negam a existência da “merda”. 

Tomas e Sabina representam todos aqueles que têm os olhos abertos para enxergar que os ideais defendidos, inúmeras vezes com derramamento de sangue, não passam de artifícios para enfeitar a vida. Essa é a função do Kitsch, servir como um arremedo estético. Eles tipificam o indivíduo que vive no mundo desencantado, enunciado por Max Weber. O mundo que superou, por meio da racionalidade, o pensamento religioso. Contudo, o esclarecimento também é mito, como afirmam Adorno e Horkheimer, portanto, as raízes do desencantamento são mais profundas e o resultado disso é a frustração e, por conseguinte, o pessimismo. Perde-se a fé em Deus, na ciência e o que resta é apenas o que podemos fazer com nossa breve trajetória aqui, que Kundera, com seu niilismo, condena à falta de qualquer sentido. 

Penso que, à semelhança das personagens, precisamos abrir os olhos, admitir que a vida é exatamente isso aí que nos está posto; a vida é sobretudo aquilo que se passa dentro de nós. Este é o lugar onde se desenrola o enredo particular da nossa existência. A aceitação da vida implica a aceitação da impossibilidade de construir um paraíso na terra. O paraíso não é mais o nosso lugar nesse mundo, fomos expulsos de lá, não podemos voltar sem que Deus nos permita, não podemos reconstruí-lo, pois é obra do Criador. Se o ser humano não fosse tão pretensioso, talvez pudesse compreender isso e, então, cessariam, ou pelo menos, diminuiriam muito os motivos para a guerra, para as lutas pelo poder e, como consequência, teríamos menos injustiças, menos desigualdades e mais respeito pelo outro. A ânsia pela vida nos faz viver menos. Acredito que é isto que Jesus quis dizer quando proferiu as seguintes palavras: “Aquele que perder sua vida, achá-la-á, mas aquele que ganhar a sua vida, perdê-la-á”. Ao contrário do que Kundera propõe em sua obra, é preciso ter  esperança. Enxergar e entender a vida  não significa curvar-se diante do imponderável. Ninguém foi capaz de dissecar tão bem a inutilidade das nossas preocupações como Cristo e, ao mesmo tempo, conferir sentido a nossa existência.
O autor-narrador afirma que a vida não é nada, não é sequer um esboço, já que não poderá ser passada a limpo, mas  creio  que a vida não se limita à contingência espaço-temporal na qual os céticos a encerram. Ouso sentenciar, baseada na fé que deposito nas palavras do Cristo, que estamos ensaiando. A verdadeira vida ainda está por começar. Sei que a história do cristianismo também é marcada pela tentação do Kitsch, seja no catolicismo, protestantismo, ou em qualquer outra vertente cristã. No entanto, precisamos fazer um esforço para  não confundir o que Jesus ensinou com muitas coisas que ensinam em nome d’Ele. Talvez seja justamente por causa dessa confusão que muitos de nós preferimos dar ouvidos à Nietzsche e seus porta-vozes. Ainda que eles tenham o que dizer, e não devamos ter  medo de ouvi-los, é necessário entendermos o limite de suas contribuições.  Conheci o niilismo, experimentei a vida sem esperança, não gostei. Prefiro a vida que tenho agora, ela é iluminada, não pela razão arrogante da modernidade, não pelo fanatismo religioso, mas pela consciência da graça. Entregar nossos fardos a Deus é o único modo de vivermos uma vida verdadeiramente leve.