quinta-feira, 28 de abril de 2011

Como Paris se tornou a capital do luxo e da moda segundo Walter Benjamin


  
Walter Benjamin procura mostrar, a partir de uma leitura marxiana, as transformações que ocorreram em Paris ao longo do século XIX, bem como os diferentes olhares que foram lançados sobre ela,  que a alçaram a posição de capital da moda e do luxo.  Seu objetivo é por em evidência o pano de fundo ideológico por trás de cada mudança. Nesse sentido, nada  aparece como algo aleatório no processo histórico, ao contrário,  tudo tinha uma razão de ser, servia a um propósito.
  A análise de Benjamin parte de uma primeira mudança significativa na arquitetura parisiense, a construção das galerias.  Além de serem o resultado de um período de grande prosperidade no comércio de têxteis, o modo como foram construídas só foi possível graças à utilização de um material inovador: o ferro.  Evocando  Balzac,  Benjamin explica que os edifícios das galerias, com seus corredores, com tetos de vidro para aproveitar a luz natural, e seus entablamentos feitos de mármores, representavam a arte a serviço do comércio. 
       O advento do ferro facilitou  um retorno à arquitetura da Grécia Antiga (neoclassicismo), mais precisamente,  uma releitura do estilo helênico com sua grandiosidade que tem por finalidade destacar a supremacia do Estado. Benjamin afirma que a  estética arquitetônica imperial, utilizada no Primeiro Império, foi um obstáculo para que  Napoleão III pudesse  perceber a natureza funcional do Estado como instrumento de dominação, ou seja, o Estado não como um fim em si mesmo.  Do mesmo modo que o imperador não tinha uma percepção crítica da função do Estado, os arquitetos também não foram capazes de perceber a importância do ferro como elemento fundamental dos processos de mudança que ganhavam contornos concretos na paisagem urbana.  
Uma das consequências mais imediatas da utilização do ferro foi afirmação do conceito de engenheiro, cuja contraposição era a figura do decorador.  Desse modo, a arquitetura, que outrora servia primordialmente a um propósito artístico, passa a ser concebida como construção de engenharia. A funcionalidade se sobrepõe à estética, indo em direção à razão instrumental que caracteriza a emergência do mundo dominado pelo capital.
Embora  a França estivesse caminhando a passos largos rumo à acentuação das diferenças de classes, no começo do século XIX a sociedade ainda vivia sob os resquícios utópicos da revolução de 1789. O filósofo Charles Fourier aparece como uma figura emblemática desse período. Tendo como modelo o funcionamento das máquinas, propôs, preconizando a utopia do socialismo libertário, a criação de falanstérios, ou seja, falanges organizadas de convivência, de  produção e consumo nas quais todos os membros tinham posição equivalente.  Por meio do falanstério, os homens seriam conduzidos a relações em que a moralidade deixa de ser necessária. Na Terra Prometida de Fourier não havia lugar para a repressão da burguesa. O filósofo viu nas galerias o paradigma arquitetônico do falanstério. Depois de servir a finalidades comerciais seriam transformadas em habitação. 
Assim como a arquitetura se liberta da tutela da arte graças ao ferro, a pintura se emancipa graças aos panoramas. O Panorama é um tipo de pintura mural elaborada num espaço circular em torno de uma plataforma de onde as pessoas podiam apreciar as imagens feitas a partir da tentativa de imitar a  natureza por meio do uso de alguns artifícios.   Segundo Benjamin, os panoramas eram a expressão de um novo  sentido de vida: o homem da cidade tenta trazer para perto de si o campo. No âmbito da literatura, a tendência se traduz numa série de esboços que tinham como objetivo primordial desenhar  um quadro da sociedade que servia como cenário de fundo dos panoramas. Conforme o autor, é a última vez que o operário é representado desligado de sua classe social.
Entre os nomes expressivos da pintura de panoramas, encontra-se Louis Daguerre. Em 1839, seu Panorama é destruído e ele anuncia, então, a invenção do daguerreótipo, instrumento precursor da máquina fotográfica. Embora o daguerreótipo exigisse que a pessoas ficassem imóveis cerca de trinta minutos para ter sua imagem reproduzida, representava um avanço em relação à pintura que exigia muito mais tempo. Ademais, trazia consigo o argumento de que retratava a realidade de forma mais fiel. Não por acaso, começou a se registrar paisagens que não eram comuns nas pinturas, como, por exemplo, as fotografias dos esgotos de Paris feitas por Felix  Nadar. Instaura-se, a partir de então, uma tensão entre artistas e fotógrafos.
Em 1855, na Exposição Universal de Paris, a fotografia ganhou uma mostra particular. Além de maior espaço no campo das artes, ela começa a ser percebida no seu papel  político. Conforme Antoine Wiertz,  ela tinha a missão de iluminar a pintura.  Vale ressaltar que Wiertz, pintor belga, sempre lançou mão da sua arte para militar em prol da independência do seu país. Assim, procurou retratar exemplos de heroísmo de pessoas que pudessem  ser modelos para a nação.
É particularmente significativa a perspectiva de Benjamin sobre as Exposições Universais. Para ele, elas cumpriam, no tempo em que não havia ainda a indústria  do entretenimento,  a função de enquadrar os operários. A expectativa dos organizadores, sob uma perspectiva sansionista,  era de que as classes trabalhadoras encontrassem divertimento ao mesmo tempo em que  participavam de uma festa de emancipação. O problema é que os sansionistas previram o desenvolvimento da economia mundial, mas não a luta de classes.
O fato é que as Exposições Universais se tornaram importantes eventos de exaltação e fortalecimento do capitalismo.  Por meio delas, houve uma superestimação do valor de troca da mercadoria em detrimento do seu valor de uso. O fetichismo alcança seu mais alto grau: a mercadoria é sacralizada. Para explicar esse processo, Benjamin recorre ao que Marx denominou de “caprichos teológicos da mercadoria”. Surge a specialité, ou seja, o produto como marca de distinção.  Para Benjamin, é na Exposição Universal de 1867 que a fantasmagoria da cultura  capitalista atinge seu auge. O império encontrava-se no ápice do seu poder e Paris afirmava-se como capital da moda e do luxo.
Entre as mudanças relevantes que traçaram os contornos da Paris do século de XIX,  Benjamin cita também a entrada do cidadão particular na história. Fato significativo que resultou, sobretudo, da Revolução de Julho ( 1830), cujo protagonista foi Luis Filipe.  Sob seu governo, houve, por um lado,  um alargamento da democracia, sendo que uma das principais medidas políticas  foi o reconhecimento do direito ao voto. Por outro lado, ganha força também o ideário liberal que, por sua vez,  calca-se na noção do ser humano como indivíduo.  Na sociedade industrial, o local de trabalho começa a ser visto em contraposição com o local em que se vive.  O lugar em que se vive é o interior,  cuja  função é manter a fantasmagoria, as ilusões. O local de trabalho deveria ser visto apenas como   complemento.
Em Baudelaire, Paris se torna objeto de poesia lírica, mas não de uma poesia regionalista, mas derivada do olhar de um homem alienado.  O alienado aqui é aquele que se coloca à parte. É o flâneur , aquele que vaga por toda cidade reparando tudo à sua volta. É uma espécie de rebelde que não encontra seu lugar, mesmo que busque refúgio na multidão. A Paris de Baudelaire encarna o espírito da modernidade e o flâneur  é uma figura típica desse tempo.
Por fim, Benjamin fala de George Haussmann e as grandes transformações que promoveu na arquitetura parisiense no  período em que fora prefeito. Com o aval do então imperador, Napoleão III, o prefeito promoveu uma série de expropriações, demoliu inúmeras moradias,  ruas e comércios a fim de reconstruir tudo tendo em vista uma cidade para a dominação. Seu objetivo era dificultar a ação dos rebeldes que, por seu turno, utilizavam como principal estratégia bélica a construção de barricadas. O prefeito enlargueceu as ruas e construiu bulevares. Os operários foram empurrados para o subúrbio.
A Paris de Haussmann, segundo Benjamin, é o lugar onde a centralidade do dinheiro se mostra de forma mais explícita, especialmente, por intermédio do jogo e da especulação fraudulenta. Ainda que  a ascensão de Napoleão III, presidente eleito em 1848, tornando-se imperador em 1851 por meio de um Golpe de Estado, tenha ocorrido com o apoio do clero, da burguesia e do operariado, a essa altura, os trabalhadores já haviam sido postos em escanteio. Assim, as esperanças de igualdade que impulsionaram a  Revolução de 1789, e revividas na ascensão de Napoleão III, foram completamente esmagadas pelo Império Liberal do ditador.  Novas insurreições aconteciam, mas o inimigo, agora, são os aliados de outros tempos.

Bibliografia:

BENJAMIN, Walter. Paris, capital do século XIX. In: FORTUNA, Carlos (org). Cidade, Cultura e Globalização: ensaios de Sociologia. Oeiras: Celta Editora, 1997