domingo, 3 de agosto de 2008

Crítica social em "Memórias Póstumas de Brás Cubas"



            Memórias póstumas de Brás Cubas revela a capacidade impar de Machado de Assis de expor especificidades da formação cultural brasileira de um modo que só os mais atentos leitores são capazes de perceber. É como se Brás Cubas, personagem-título, fosse a síntese daquilo que era socialmente apreendido pelo autor, sobretudo em sua convivência com pessoas das 
classes mais altas.

             O romance é narrado em primeira pessoa por um defunto-autor e não por um autor-defunto, como ele faz questão de frisar com o objetivo de convencer o leitor que o fato de ser uma obra póstuma torna sua narrativa absolutamente confiável, já que um morto não necessita distorcer os fatos. Mas, um burguês brasileiro não é confiável nem depois de morto. Isso fica evidente em algumas partes da narrativa. Como, por exemplo, no episódio do seu enterro, onde ele procura mascarar sua insignificância justificando que o fato de haver poucas pessoas no seu cortejo era em decorrência de muitos não terem sido avisados e/ou por causa do mau tempo.

             Basicamente, o livro relata a história de um sujeito que não conseguiu fazer realmente nada de significativo na vida. Contudo, não é a vida insípida da personagem principal que torna o romance fascinante, mas o modo como essa história é contada. O autor usa a ironia como principal recurso para trazer à tona padrões de comportamento característicos da sociedade brasileira, especialmente da elite dominante que queria se mostrar moderna, adotando, no discurso, idéias e postura européias, mas defendendo, na prática, a manutenção de um sistema retrógrado . Assim, as relações de Cubas com outras personagens revelam dissimulação, jogo de interesses, um desejo sempre presente de se dar bem, ainda que lançando mão de estratagemas nada éticos.

        Brás Cubas é o típico burguês brasileiro. Se, geralmente,  na obra machadiana percebemos uma visão do homem, no sentido universal, destituída de otimismo, em Memórias póstumas é como se ele estivesse nos dizendo que, se esse homem fosse um burguês brasileiro, poderia ser ainda pior. O cinismo com o qual o personagem conduz sua vida, e que faz questão de deixar claro na narrativa, evidencia que nada pode afetar profundamente àqueles que não dependem do seu suor para comer, mesmo que todos os seus empreendimentos fossem frustrados. A mais terrível das tragédias, para a burguesia nacional, seria depender do próprio trabalho para sua sobrevivência. Daí o protagonista do romance poder afirmar, depois de listar seus fracassos, que “coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto.”

          Embora Machado de Assis construa seu personagem considerando um contexto cultural específico, deixa claro que as causas da miséria humana não estão circunscritas a uma cultura ou circunstância histórica. A miserabilidade é inerente à condição humana, é o que o autor deseja demonstrar em sua última negativa: “não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”. Todavia, parece que a acentuação dos vícios ou das virtudes, que torna a vida mais ou menos miserável, pode depender da estrutura social de cada sociedade.

             O livro não aponta caminho algum, a não ser o da aceitação da existência com tudo que isto implica. Se tiveres a sorte de nascer burguês, tanto melhor, antes ser Brás Cubas do que ser Dona Plácida que sempre teve que trabalhar para comer. Entretanto, apesar de todo ceticismo que o autor revela por meio da postura do protagonista diante da vida, no modo como  escreve parece haver uma indicação daquilo que, para ele, pode ser a nossa única forma de salvação: o senso de humor.

9 comentários:

Yago Sousa disse...

Ótima análise, era realmente o que eu estava procurando, um crítica da sociedade daqela época.. Obrigado Continue postando mais resenhas, críticas e resumos sobre a literatura brasileira. :)

Janete Rodrigues disse...

Olá Yago, eu que agradeço pela visita. Na medida do possível, continuarei compartilhando meus textos sobre literatura e outros temas também.

Abraço,

Janete

Maionese2501 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Maionese2501 disse...

Amei! Visita meu blog, se puder. Adorei o teu! Ele se tornou auxílio aos meus estudos. rs. Bjus!

Unknown disse...

Ótimo texto!!
Muito boa a sua abordagem transformando em palavras tudo o que eu senti ao ler o livro. A cada final de paragrafo do seu texto eu vinha com uma expressão positiva do tipo: " Isso mesmo!!!" É justamente isso que eu penso".

Muito bom!!

Janete Rodrigues disse...

Obrigada "Somos Pétalas" e Fábio. O retorno que vocês dão nos motiva.

Abraço,

Janete

Nathaly Domiciano disse...

Excelente análise. Parabéns

Anônimo disse...

Lendo Machado, agora, não lhe parece q a sociedade brasileira, evoluiu muito pouco?

Janete Rodrigues disse...

Sim, evoluímos lentamente e, às vezes, dando alguns passos para trás, como está acontecendo no atual contexto.